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FAO e Comida do Amanhã realizam estudo para a Prefeitura do Rio de Janeiro e Comunidades Quilombolas


foto: Flávia Brito


Alinhado com os resultados da Cúpula dos Sistemas Alimentares e com o marco da década de produção e consumo sustentáveis (10YFP) , a FAO e mais 3 agências da ONU realizam desde 2020 um projeto global sobre promoção de sistemas alimentares mais sustentáveis através de ferramentas, advocacy e ação de diversas partes interessadas.

Nesse projeto são conduzidas intervenções e estudos no Brasil e em Uganda e um dos 4 principais objetivos é estimular coerência das políticas públicas alimentares e maior participação dos diversos atores envolvidos. No caso do Brasil, o estudo foi conduzido especificamente no município do Rio de Janeiro, com foco nos sistemas alimentares urbanos - a FAO e a prefeitura do Rio de Janeiro acordaram em desenvolver um estudo que fortalecesse a capacidade do município em desenvolver um sistema alimentar mais inclusivo e sustentável. Considerando o trabalho do Comida do Amanhã na agenda de alimentação urbana (no eixo “comida e cidades”) e no seu eixo de atuação na agenda de “comida e cultura”, o instituto foi escolhido para conduzir o estudo localmente, a partir da temática que a prefeitura determinasse como prioritária nesse escopo.

O município do Rio está no momento desenvolvendo a sua primeira estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional (“SAN”), e esse estudo poderá apoiar a cidade a partir de um olhar mais específico sobre uma demanda local, que também traga resultados que possam informar e apoiar outros municípios.

Para a garantia de sistemas alimentares urbanos saudáveis e sustentáveis e do direito à alimentação saudável e adequada para todos, é fundamental considerar a diversidade de vozes e de setores que compõem o sistema alimentar local. Ter todas as vozes consideradas, de uma forma que seja atenta aos interesses da população e priorizando as demandas das populações mais vulneráveis é o que orienta uma governança inclusiva.

A prefeitura do Rio, por meio da sua câmara Intersetorial de Segurança alimentar e Nutricional (CAISAN) entendeu oportuno aportar conhecimento sobre as comunidades tradicionais Quilombolas, a partir de um levantamento do panorama geral da governança de política alimentar do Rio com foco nas políticas públicas para os territórios quilombolas da cidade, e com isso elaborar uma rota para um mapeamento de SAN nestes territórios do Rio.


Por quê um estudo sobre comunidades quilombolas na agenda de SAN?

Alguns desafios foram apontados para justificar a escolha do tema na cidade, levando em conta também a possibilidade de impactar a agenda alimentar urbana em outros territórios para além do município do Rio. Destaca-se aqui:

(i) a falta de dados relacionados com as comunidades tradicionais do Rio, nomeadamente as comunidades quilombolas, o seu papel ativo na promoção de sistemas alimentares urbanos sustentáveis e o seu estado de segurança alimentar e nutricional; (ii) a dificuldade causada por essa falta de dados para o desenvolvimento de políticas voltadas para essas populações; (iii) o desafio de dar ao tema a devida profundidade na elaboração do Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional; (iv) a oportunidade decorrente de o município estar desenhando seu primeiro Comitê de Comunidades Tradicionais, como parte da Política de Fortalecimento das Comunidades Tradicionais, que dialoga com o Pacto das Cidades Antirracistas - uma rede de 50 cidades brasileiras. O estudo pode trazer a agenda dos sistemas alimentares para este Comitê, inspirando outras cidades.

A iniciativa da FAO soou como uma grande oportunidade para investir energia e recursos no avanço do tema e colocá-lo no centro dos debates sobre os sistemas alimentares urbanos.

Para Sérgio Dorfler, coordenador de projetos da FAO no Brasil, o estudo em questão marca um ponto de inflexão na relação que a FAO vem construindo em nível local com as cidades brasileiras. Agradecemos a confiança da Prefeitura do Rio de Janeiro por nos permitir contribuir com sua agenda de segurança alimentar e nutricional. Esperamos que este mapeamento de políticas públicas de SAN, voltado às comunidades tradicionais do município, sirva de complemento à governança já estabelecida para definir intervenções mais eficientes e que contribuam, no médio e longo prazo, para a melhoria das condições de vida das comunidades tradicionais e quilombolas.

Assim, o estudo poderá simultaneamente apoiar o fortalecimento da agenda alimentar das comunidades tradicionais na cidade, fortalecer a governança de todo o sistema alimentar municipal a partir de mecanismos de governança inclusiva, e apontar para demandas e oportunidades que poderão ser inseridas no Plano de SAN do município, promovendo debates intersetoriais entre diversas secretarias, órgãos públicos e sociedade civil na agenda urbana alimentar .

Na leitura da governança dos sistemas alimentares urbanos a partir das comunidades quilombolas foi ainda levada em consideração a contribuição desses territórios para a agenda de perdas e desperdício de alimentos, central no estudo global da FAO em aliança com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que desenvolve um conjunto de iniciativas, tanto no estado quanto no município do Rio.

Metodologia

Para a realização do estudo foi conduzido um levantamento de políticas públicas relacionadas aos povos e comunidades tradicionais, com foco nas comunidades quilombolas, em paralelo com um levantamento de políticas públicas alimentares. Foram conduzidas dezenas de entrevistas com atores chave na governança dos sistemas alimentares urbanos, numa metodologia de “bola de neve”. Foram entrevistados técnicos e gestores responsáveis no município, representantes de órgãos públicos, pesquisadores, representantes da sociedade civil, e foram realizadas visitas aos territórios quilombolas da cidade, com conversas aprofundadas com seus representantes. Com o levantamento de demandas, sistematizaram-se os pontos fortes, fracos, as oportunidades e ameaças colocadas aos sistemas alimentares das comunidades quilombolas. Nesse ponto, buscou-se incluir a perspectiva dos povos tradicionais de matriz africana em geral (“POTMA”), apesar do foco serem as comunidades quilombolas, pois veio à tona a importância da referência a esse conjunto de atores para a agenda de SAN.

Foi então analisada a minuta do Plano de SAN do município que será apresentada para consulta pública em breve, identificando as lacunas e as conquistas na agenda alimentar, a partir da análise realizada. Foi então elaborado um conjunto de recomendações para o fortalecimento da governança inclusiva dos sistemas alimentares do município e da segurança alimentar e nutricional das comunidades tradicionais quilombolas.

Os resultados foram debatidos em um encontro intersetorial com os participantes do estudo, onde se aprimoraram os encaminhamentos e se coletaram as contribuições finais. A partir desse resultado, o estudo foi apresentado novamente à CAISAN municipal, responsável pela condução do Plano de SAN do município.

Toda a metodologia foi desenhada para garantir uma ampla participação das partes, fundamental para um estudo que ambiciona um olhar inclusivo sobre a agenda alimentar urbana. Da mesma forma, foi priorizada sempre uma interlocução plena com a gestão municipal, principal interessada, que se engajou com todo o processo, se apropriando dos resultados e se comprometendo com a condução do estudo, com a liderança e acompanhamento constante da Coordenadoria Executiva de Promoção de Igualdade Racial do município (CEPIR) e da CAISAN-Rio.

Para Leonardo Mattos, representante da CEPIR, a relação entre a ciência e os saberes tradicionais é fundamental para o aperfeiçoamento das políticas públicas de promoção dos direitos das comunidades tradicionais de matriz africana e, em particular, das quilombolas que constituíram o objeto da pesquisa em questão. Ele destaca dois dos vários desafios latentes e urgentes para a promoção dos direitos desses grupos. O primeiro, diz respeito aos municípios e aos compromissos que as prefeituras devem e precisam assumir para rebater espacialmente as políticas garantidas pela Lei 12.288/2010 e demais dispositivos que amparam os quilombolas, como acesso e promoção da cultura afro-brasileira, segurança alimentar, educação, religiosidade, dentre outros. O segundo e não menos importante, é a necessidade de fortalecimento administrativo, a partir também das prefeituras, visando a compreensão das variáveis que estruturam esses territórios, de modo a oportunizar o acesso pleno a serviços públicos básicos.

A oportunidade trazida pelo estudo permitiu diálogos entre diversos atores dos sistemas alimentares urbanos e a sistematização de demandas e de possibilidades que não haviam sido identificadas anteriormente. A intersetorialidade do tema fez com que, ainda durante a condução da pesquisa, pontes fossem criadas e alguns movimentos fossem iniciados por parte tanto da sociedade civil quanto de órgãos públicos.

Segundo Edson Alexsander, representante da CAISAN do Rio, é de extrema necessidade a aproximação e conhecimento desta temática que deve compor a agenda de SAN na Cidade do Rio de Janeiro, haja visto que não se conta, no momento, com conteúdo aprofundado sobre esta questão, para que possa embasar propostas que venham atender as necessidades e anseios deste grupo. Ele registra o agradecimento à FAO/ONU pela oportunidade ofertada que propiciou mais conhecimento sobre estas Comunidades Tradicionais (Quilombola) através de um trabalho de excelência realizado pelo Instituto Comida do Amanhã, cuja equipe com muita dedicação, sensibilidade e profissionalismo se debruçou sobre esta temática de forma incansável.

O estudo abre caminho para um aprofundamento da agenda ao nível municipal, e convida a um olhar mais ampliado e integrado das políticas alimentares locais, que poderá ser trabalhado em pesquisas futuras e incorporado no trabalho da gestão de SAN no Rio de Janeiro e em outros municípios, com a possibilidade de contar com a expertise da FAO no futuro desenho de novas políticas públicas alimentares.

Para Juliana Tângari, diretora do Instituto Comida do Amanhã, a escolha de tão provocante tema pela Prefeitura foi uma grata e oportuna surpresa, que possibilitou que se avançasse no estudo de questões normalmente invisibilizadas em análises mais superficiais dos sistemas alimentares urbanos, mas que mostram não só a inegável interdisciplinaridade e intersetorialidade da agenda alimentar urbana mas também o momentum gerado pela urgente e necessária readequação dos sistemas alimentares a seus reais contextos territoriais e históricos. Todos nós aprendemos muito com essa pesquisa e esse diálogo.

Comida, cidades e cultura

Para o Instituto Comida do Amanhã, a condução deste estudo permitiu avançar no trabalho que vem sendo realizado na agenda alimentar urbana, em diálogo permanente com a relação indissociável entre os sistemas alimentares e a cultura local. Fortalece o trabalho do Instituto e permite identificar temas e relações inerentes aos sistemas alimentares urbanos, que informam cada vez mais os conteúdos produzidos e os projetos desenvolvidos.

Para Mónica Guerra, diretora do Instituto Comida do Amanhã, a possibilidade de colocar luz sobre um tema pouco trabalhado na agenda alimentar urbana, e fortalecer os mecanismos de governança municipais a partir de desafios locais, demonstra a interdependência entre as agendas de clima, cultura e cidades. Os sistemas alimentares atravessam as dinâmicas e são atravessados por elas, e este estudo permitiu ilustrar esse encontro de uma forma muito evidente. Ficamos honradas com a confiança entregue pela FAO, pela prefeitura do Rio e por todos os envolvidos que com tremenda generosidade contribuíram para esse trabalho.


Resultados

O estudo, realizado pela FAO, com apoio do Instituto Comida do Amanhã e da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, foi conduzido entre os meses de Julho e Dezembro de 2022. Após a sua revisão final pela equipe responsável da FAO, será entregue ao município para ser apropriado de forma definitiva como instrumento de trabalho na sua agenda de SAN.

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