JUSTIÇA E SUSTENTABILIDADE NOS SISTEMAS PRODUTIVOS ALIMENTARES E NO SEU ACESSO ÀS CADEIAS DE DISTRIBUIÇÃO
diálogo independente para a cúpula da ONU
sobre sistemas alimentares
JUSTIÇA E SUSTENTABILIDADE NOS SISTEMAS PRODUTIVOS ALIMENTARES E NO SEU ACESSO ÀS CADEIAS DE DISTRIBUIÇÃO
Os desafios presentes, e os mecanismos necessários para garantir justiça e sustentabilidade nos sistemas produtivos alimentares e no seu acesso
às cadeias de distribuição.
Diante do aumento de indicadores socioambientais negativos, como desmatamento e conversão de ecossistemas naturais, além de desnutrição e fome no Brasil, por exemplo - é possível afirmar que existe uma inconsistência latente nos sistemas alimentares brasileiros que precisa ser tratada com urgência . Existem aqueles que produzem alimentos saudáveis e com responsabilidade socioambiental, em diferentes modelos de produção e em diferentes escalas. Mas em particular os pequenos produtores, que na maioria das vezes são aqueles cuja produção visa diretamente a manutenção da Segurança Alimentar e Nutricional da população brasileira, enfrentam os mais diversos desafios - desde o mais primordial acesso à terra, disponibilidade limitada ou quase inexistente de assistência técnica e extensão rural, dependência de uso excessivo de agrotóxicos, relações desiguais e / ou dificuldades de acesso a mercados, entre outros. Existe um cenário de heterogeneidade, insegurança e incerteza também no campo, o que diminui a resiliência do sistema alimentar como um todo.
Nesse sentido, o WWF-Brasil e o Instituto Comida do Amanhã, organizaram um Diálogo Independente para a cúpula dos sistemas alimentares no Brasil, em 06 de julho de 2021, para um público de 50 pessoas convidadas, para levantar desafios presentes e mecanismos necessários para garantir justiça e sustentabilidade nos sistemas produtivos alimentares e no seu acesso às cadeias de distribuição.
O objetivo geral deste diálogo se refletiu na divisão de grupos, que considerou vozes de diferentes atores da cadeia de valor alimentar - incluindo pequenos agricultores, representantes de comunidades tradicionais, movimentos da sociedade civil e jovens - na discussão de soluções, e aconteceu de forma que seja possível discutir o papel de cada um na promoção de sistemas alimentares mais sustentáveis no Brasil, com foco especial nas questões de produção e acesso a mercados justos.
O diálogo esteve alinhado, de acordo com os eixos definidos no processo de preparação da cúpula dos sistemas alimentares, com as vias de ação (action track) VA3 – Impulsionar a Produção Positiva para a Natureza e VA4 – Promover Meios de Subsistência Equitativos.
Os debates e as propostas de cada grupo foram sistematizados num relatório único, enviado para a cúpula, que acontecerá em Setembro em Nova Iorque, contendo um panorama do que foi enfatizado pelos participantes e como os diversos temas foram explorados.
O documento é uma sistematização das discussões do Diálogo Independente dos Sistemas Alimentares, realizado pelo WWF-Brasil e o Instituto Comida do Amanhã, com a curadoria de Paulo Durval Branco,
no dia 06 de julho de 2021.
Este documento é uma replica exata do material submetido oficialmente por estas organizações na plataforma dos Diálogos dos Sistemas Alimentares, visando contribuir para as discussões da Cúpula dos Sistemas Alimentares, mas também outras que digam respeito à promoção de sistemas alimentares mais sustentáveis.
Você pode baixar o relatório completo (Português) clicando no botão abaixo.
*O Diálogo independente seguiu a metodologia indicada pela Cúpula de Sistemas Alimentares. O evento foi realizado totalmente online, com participantes de setores diferentes, previamente definidos pela organização e curadoria do evento. As discussões foram moderadas por um/a facilitador/a, a fim de permitir que o grupo formulasse uma proposta de ação para um problema específico, que foi depois compartilhada com os demais participantes do evento.
O evento foi fechado para os convidados e facilitadores selecionados pela curadoria e suas identidades mantidas anônimas na divulgação dos resultados dos debates, de acordo com as regras de Chatam House. Um resumo final das discussões foi tornado público e enviado como contribuição independente para as discussões realizadas na Cúpula de Sistemas Alimentares, que acontece em Nova York, em setembro de 2021.
reflexões principais
Houve consenso sobre a conceituação da agricultura mais sustentável. As práticas apontadas como prioritárias para estudo e valorização foram as:
• Agroecológicas
• Agroflorestais
• Orgânicas
• Regenerativas
• Que respeitam a soberania e os saberes dos povos e comunidades tradicionais
• Que provém das gerações de agricultores familiares
Estas são práticas que tradicionalmente produzem comida saudável e sustentável para a população brasileira e necessitam de assistência técnica adequada, incentivos financeiros, facilidade de acesso a mercados mais justos, esforços em termos de informação e educação para conscientizar a sociedade de seus benefícios. Só assim será possível promover, de fato, sistemas alimentares mais sustentáveis.
O mapeamento das dificuldades enfrentadas por estes produtores seguiu na mesma linha entre todos os grupos, pautados pela falta de reconhecimento e valorização pelos diversos segmentos da sociedade. Uma questão chave, que permeia todas as discussões, foi a ameaça iminente do desmantelamento de políticas públicas e direitos conquistados. O cenário atual é mais pautado na resistência do que na postura propositiva. Por isso, iniciativas de auto governança, que apoiem a articulação de movimentos sociais são essenciais.
Conflitos fundiários geram insegurança para povos e populações tradicionais, assim como para pequenos agricultores, ameaçados de perderem seus territórios, locais de onde tiram seu sustento e onde vivem suas famílias.
Em termos de mecanismos financeiros, os desafios estão no acesso a créditos públicos, que são dispersos e de difícil acesso aos pequenos produtores, com taxas e condições inadequadas aplicadas pela iniciativa privada.
Ao falar de acesso à mercados e relações mais justas entre produtores e compradores, a baixa efetivação de políticas e programas de compras públicas voltadas para a agricultura familiar se destaca. As relações desiguais e a dificuldade de acesso a mercados privados impossibilitam a remuneração justa dos produtores e, portanto, ameaçam a sua permanência no campo.
Do ponto de vista de consumidores, existem assimetrias de renda e acesso à produtos saudáveis e sustentáveis. Investimento em educação apoiaria uma melhor interpretação das informações enviesadas sobre o agronegócio industrial, esclarecendo ainda os motivos para a valorização dos produtos de agricultura sustentável.
Há também linhas claras de convergência sobre as soluções já existentes que precisam ser fortalecidas, assim como as que precisam ser criadas.
As soluções propostas são interdisciplinares e complementares. A ação urgente e direcionada nestas linhas, pode mudar a trajetória do nosso sistema alimentar através de parcerias, papéis bem definidos e responsabilidades claras.
A atuação dos órgãos públicos deve garantir os direitos já conquistados, e acompanhar a execução de políticas e programas públicos voltados para a agricultura familiar, tradicional, orgânica e agroecológica, com ações de fiscalização.
As organizações da sociedade civil e movimentos de base precisam intensificar as suas atuações com o apoio de outros atores como ONGs, academia e a iniciativa privada, para construir narrativas que aproximem os consumidores destas causas. Iniciativas como as Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSAs), a Catrapovos, os grupos de consumo, as feiras orgânicas e agroecológicas, e a a agricultura urbana em espaços públicos são modelos já existentes que podem subverter a lógica atual de produção e consumo, trazendo tanto uma remuneração mais justa aos produtores quanto a aproximação dos consumidores.
Para a manutenção e expansão destas iniciativas, é necessário assistência técnica adequada e frequente. Por fim, o foco em termos de educação e comunicação deve ser a valorização das soluções reconhecidas, e a busca pelo desenvolvimento de projetos e ferramentas que possam ser sistematizadas e divulgadas. Precisamos concentrar esforços em exaltar a sociobiodiversidade brasileira e quem a preserva.
Este diálogo em números
07 mesas redondas / 07 facilitadores / 07 temas urgentes em debate
50 participantes - diversidade de atuação e de territórios
180 minutos totais de encontro
representantes de diversos setores envolvidos em produção e comercialização
temas de debate
Os temas de debate são construídos dentro de uma perspetiva de cenário de futuro: pedimos aos participantes para imaginarem cenários futuros e nos responderem: como poderemos chegar lá? o que nos impede de chegar lá e precisa ser destravado? como poderemos monitorar o progresso e quais os desafios que já podemos antecipar?
Os resultados dessas perguntas compõem o plano de ação, as diretrizes para avançar na agenda, e são sistematizados no relatório publicado e enviado para a cúpula. Abaixo, os temas debatidos pelos grupos deste diálogo:
1 |
Acesso à terra / segurança jurídica
Os produtores têm garantido seu acesso à terra, com mecanismos e ferramentas jurídicas que lhes dão segurança, afastadas as disputas e violência no campo
2 |
ATER e extensão rural / tecnologia inclusiva
Os produtores contam com assistência técnica (ATER) adequada e frequente, e têm acesso a tecnologias que impulsionam a produtividade e diminuem os impactos ambientais da produção, tornando-os cada vez mais resilientes tanto às mudanças climáticas quanto às oscilações de mercado.
3 |
Mecanismos financeiros
É possível garantir a produção de alimentos saudáveis de forma sustentável 8 graças à existência de investimentos privados e públicos, realizados através de critérios claros e com modelos de governança que garantem relações justas
4 |
Relações justas de mercado
Existem todas as condições para que as relações entre produtores, consumidores e demais elos da cadeia de alimentos sejam sempre justas e estabelecidas em horizontalidade, independentemente de um canal de compra direta.
5 |
Ampliação da escala e acesso à mercados institucionais e privados
Pequenos e médios produtores orgânicos e agroecológicos têm acesso a mercados e conseguem garantir o escoamento da sua produção através de modelos escaláveis, fazendo com que modelos de produção sustentáveis e locais possuam a devida resiliência financeira.
6 |
Comunicação, educação e transparência para os consumidores
Os conteúdos de comunicação e educação sobre sistemas alimentares e modos de produção de alimentos são elaborados com transparência, informações verdadeiras e relevantes, sem conflito de interesses, garantindo que os consumidores compreendam os impactos dos sistemas produtivos e suas alternativas.
7 |
Produção sem desmatamento e conversão (“Afinal, o que é uma produção sustentável de alimentos?”)
A população sabe que é possível e necessário produzir alimentos sem desmatar ou converter ecossistemas naturais, com baixa ou zero emissão de GEE e sem perda de biodiversidade. É entendido que a agricultura depende da floresta – e existe consenso, mecanismos de monitoramento, dados e indicadores, ferramentas e estruturas para o desenho e a implementação de modelos de produção que atuam nesse novo paradigma.
DIÁLOGO INDEPENDENTE
O QUE É?
diálogos intersetoriais para a cúpula dos sistemas alimentares
O processo de preparação da Cúpula pressupõe o maior número possível de engajamento dos múltiplos atores dos sistemas alimentares, convidados a se envolverem principalmente através de eventos de diálogos intersetoriais. Trata-se de abordagem que permite a interlocução e a colaboração entre diversas partes interessadas, que podem combinar seus conhecimentos para endereçar os desafios dos sistemas alimentares.
Além dos Diálogos organizados pelos Estados-Membros e pelos organismos multilaterais, “os Diálogos Independentes são conduzidos ao nível local e são adaptáveis a vários contextos, convocados por indivíduos ou organizações, independentemente das autoridades nacionais, mas com a oportunidade de se ligar formalmente ao processo da Conferência através de um mecanismo oficial de resposta. São projetados para oferecer respostas construtivas e informadas, para utilização na preparação da conferência. Também oferecem informações valiosas para moldar percursos para sistemas alimentares sustentáveis até 2030: serão úteis após a conferência.”
“A resposta de diferentes diálogos será analisada e depois consolidada em relatórios de síntese que incluem os resultados de cada um dos Diálogos. Estas sínteses ajudarão a Cúpula a propor ações individuais e coletivas em direção ao objetivo abrangente de um futuro que seja sustentável, equitativo e seguro.”
Apesar da abertura do processo de preparação da Cúpula, muitas são as críticas até aqui apresentadas, tanto no tocante aos temas e sugestões de medidas a serem adotadas pela Cúpula (e eventuais visões parciais ou comprometidas), quanto sobre a falta de um processo verdadeiramente inclusivo do ponto de vista global, ou ainda quanto a eventual comprometimento da governança dos organismos já existentes para a discussão global dos sistemas alimentares.
Entretanto, realizar um Diálogo Independente é justamente uma oportunidade de se fazer ouvir vozes que possam estar alijadas do processo decisório da Cúpula, e de permitir que propostas e reflexões do cenário brasileiro sejam incluídas neste processo.
dúvidas?
Para saber mais sobre os diálogos independentes visite summitdialogues.org e sobre a cúpula dos sistemas alimentares visite un.org/en/food-systems-summit e tinyurl.com/UNFSS1