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Conferência Nacional de SAN recoloca o combate à fome no centro da política brasileira

Atualizado: 22 de jan.



Entre os dias 11 e 14 de dezembro de 2023, aconteceu a 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (6ª CNSAN), que foi realizada em Brasília/DF. Sua convocatória foi feita em 16 de junho de 2023, com o tema "Erradicar a fome e garantir direitos com Comida de Verdade, Democracia e Equidade". Depois de oito anos sem ser realizada, a conferência consolidou a retomada das ações e políticas públicas voltadas à segurança alimentar e nutricional no Brasil, com participação da sociedade civil e papel destacado do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o CONSEA. A última conferência tinha sido realizada  em novembro de 2015.


A retomada do CONSEA e das políticas de SAN culminam na 6ª CNSAN


Criado em 1993, o CONSEA sempre teve destacado papel no acompanhamento, articulação e monitoramento da Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, tendo se tornado um órgão consultivo do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o SISAN, em 2006. No entanto, em 1º de janeiro de 2019, o referido conselho foi extinto por meio de Medida Provisória assinada pelo então presidente recém-empossado, tendo sido retomado somente em 1º de janeiro de 2023, por ocasião da posse do atual presidente, juntamente com vários outros conselhos que haviam sido igualmente desativados. No dia 28 de fevereiro, os conselheiros do CONSEA tomaram posse numa cerimônia em que também foram assinados decretos presidenciais dispondo sobre a competência e funcionamento do CONSEA, assim como restituindo a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional, a CAISAN. A realização da 6ª CNSAN é uma consequência da retomada destas estruturas e da construção compartilhada de iniciativas voltadas à erradicação da fome no país.


A conferência nacional foi precedida por um processo preparatório com a realização de 862 conferências municipais, 114 conferências territoriais e 10 conferências livres, que elegeram um total de 1.742 delegadas e delegados representando a sociedade civil e os governos, em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal. Além das delegações eleitas, também participaram observadores, convidados nacionais, internacionais, autoridades dos poderes legislativo e executivo estaduais e federais, como governadores, ministros, deputadas e deputados, totalizando cerca de 2400 participantes.


O objetivo principal da 6ª CNSAN foi mobilizar a diversidade de práticas dos setores que estão na linha de frente das experiências em SAN e que pudessem contribuir com a construção do terceiro Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN, propondo políticas e programas efetivos para a sua implementação. Foram colhidas, deste processo, um total de 736 propostas resultantes das conferências estaduais, conferências livres e como recomendações do CONSEA, que foram sistematizadas pela comissão organizadora e transformadas em 296 propostas sintetizadas para apreciação da conferência nacional. Os debates foram norteados por três principais eixos, sendo eles: “Determinantes estruturais e macrodesafios para a soberania e segurança alimentar e nutricional”, “Sistema nacional de segurança alimentar e nutricional e políticas públicas garantidoras do direito humano à alimentação adequada” e “Democracia e participação social".


Programação da 6ª CNSAN com protagonismo da sociedade civil


A programação da conferência nacional iniciou-se com dois eventos pré-conferência, que aconteceram em 10 de dezembro, dia que antecedeu a abertura oficial. Neste dia, foi realizado um seminário internacional com a participação de delegações internacionais, e também o encontro preparatório indígena com a participação de várias etnias. De 11 a 14 de dezembro, a programação foi dividida em distintas atividades:  Mesa de abertura com a participação de representações da sociedade civil e de autoridades; Mesas de Diálogos com o eixo principal e eixos temáticos; Trabalhos em Grupo; Atividades autogestionadas; Feira da Biodiversidade; plenárias temáticas; plenária final e encerramento da conferência. As atividades autogestionadas não eram deliberativas e objetivaram trazer os vários olhares sobre os temas pautados na conferência, tendo sido organizadas por movimentos sociais e demais instituições atuantes nas ações de soberania e segurança alimentar e nutricional.


Em todos os momentos e espaços da conferência, chamou a atenção a diversidade de setores da sociedade civil e o protagonismo na participação dos debates e proposição dos conteúdos debatidos e aprovados nas plenárias temáticas e plenária final. Os povos de terreiro, povos indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, juventudes, mulheres e camponeses, movimento LGBTQIAPN+, movimento da agroecologia e agricultura urbana, entre tantos outros, deram a tônica e o colorido deste momento de retomada das articulações pelo direito à alimentação de verdade. Os protestos contra o chamado Pacote do Veneno, que tinha sido aprovado pelo Congresso Nacional dias antes do início da conferência, também foram levados pelos movimentos e organizações.


A Feira da Biodiversidade foi um dos pontos altos da programação. Organizada com 30 tendas para divulgação e comercialização de produtos de base agroecológica, camponesa, artesanal e da cultura de todos os biomas brasileiros, a feira buscou valorizar e proporcionar a troca de saberes, sabores e experiências entre feirantes e consumidores, favorecendo também as trocas de sementes crioulas e outros itens trazidos dos vários territórios.


Participação de cidades LUPPA e do Instituto Comida do Amanhã


O retorno da conferência nacional de SAN representa, para os municípios, uma oportunidade de incidir sobre a formulação e execução a curto e médio prazo das políticas e programas voltados aos sistemas alimentares, cujos impactos são sentidos diretamente pelas populações e territórios locais. Por este motivo, várias cidades participantes do Laboratório Urbano de Políticas Alimentares - LUPPA priorizaram sua participação neste evento, com representantes das gestões municipais e da sociedade civil que compõem os conselhos municipais e estaduais. Para o Instituto Comida do Amanhã, a realização da 6ª CNSAN também foi uma oportunidade de visibilizar nosso trabalho e contribuir com os debates conferenciais cujos eixos dialogam com os projetos executados pelo Instituto, que foi um dos proponentes da Conferência Livre sobre Alimentação nas Cidades. Nesta conferência, ajudamos na formulação das propostas sobre agricultura urbana e sistemas alimentares urbanos que foram remetidas à 6ª CNSAN. Nela, foi eleita uma das componentes da equipe do Instituto Comida do Amanhã, Tárzia Medeiros, como delegada à 6ª CNSAN, representando a sociedade civil.


Agricultura urbana e sistemas alimentares como prioridade


Um dos espaços privilegiados de discussão e síntese durante a conferência foram os grupos de trabalho (GTs), onde desembocaram as sínteses das propostas trazidas das etapas anteriores. As delegadas e delegados se debruçaram para aprofundar, convergir, modificar e aprovar, entre elas, cinco propostas de cada GT para serem levadas à plenária final, com o objetivo de compor o documento final. Foram 23 grupos de trabalho que debateram as sínteses trazidas de todo o país e apontaram quais seriam as prioridades a serem consideradas pelo poder público na criação e execução de políticas e programas de SAN.


O tema da agricultura urbana e sistemas alimentares urbanos foi discutido no GT2, que elencou as propostas sobre “Agroecologia, alimentos livres de transgênicos e agrotóxicos, e agricultura urbana”. Nos debates do grupo, foi mencionada a centralidade dos sistemas alimentares urbanos e agricultura urbana por ser um tema novo e desafiador para a segurança alimentar e nutricional (SAN) nas cidades, que ainda carece de formulação de políticas e financiamento próprio, no âmbito federal, direcionados a estas atividades.


Ao final do trabalho do GT2, a proposta levada pela Conferência Livre de Alimentação nas Cidades, organizada pelo Comida do Amanhã e parceiros, foi a que recebeu mais votos e foi remetida à plenária final como uma das cinco prioridades deste GT, com a seguinte formulação: “Estabelecer políticas públicas com a participação efetiva da sociedade civil no estímulo, apoio, pesquisa e investimento – proporcionando e direcionando os incentivos financeiros federais, estaduais e municipais – para fortalecer programas de agricultura urbana e periurbana, tais como hortas comunitárias, escolares e quintais produtivos agroecológicos (podendo associar aos projetos habitacionais e aos equipamentos públicos de SAN, tais como cozinhas solidárias e comunitárias, restaurantes populares, bancos de alimentos), e sementes crioulas com apoio técnico e regulamentação das políticas; e fomentar, por meio do lançamento de editais anuais, a implantação, ampliação, processamento, beneficiamento e comercialização envolvendo cadeias produtivas de bioinsumos e biofertilizantes e tecnologias sociais e ecológicas para a agricultura urbana, buscando fortalecer a partir da economia solidária de redes territoriais de agroecologia nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal; bem como apoiar o escoamento dos produtos para as feiras agroecológicas e de economia solidária, pontos populares de alimentação e agroecologia e cozinhas solidárias, como espaço de trocas e convivências, saberes e fazeres entre consumidores e agricultores”.


Os frutos coletivos e as conquistas saídas da 6ª CNSAN


A 6ª CNSAN foi, sobretudo, um momento rico e lindo de celebração por termos retomado uma ferramenta de convergências, de compartilhamento, de formulação e organização para a conquista do direito humano à alimentação adequada.


Várias lideranças de movimentos e de instituições nacionais com destacado papel em defesa do direito humano à alimentação, como o MST, o Instituto Fome Zero, a CONTAG, a CONAQ, o MAB, universidades, entre outros, participaram e levaram suas contribuições para as mesas de diálogos da conferência. Foram apresentadas, à conferência, 82 proposituras de moções relativas a campanhas organizadas por movimentos e frentes nacionais. Dez dessas propostas atingiram o quórum mínimo requerido pelo regimento para aprovação e podem ser lidas aqui.

Muitas autoridades se fizeram presentes e também participaram de alguns debates, como ministros do governo federal e deputados federais, que aproveitaram para anunciar os decretos assinados pelo governo Federal  e que têm relação com os temas e eixos reivindicados. O primeiro decreto trata das diretrizes para a promoção da alimentação adequada e saudável no ambiente escolar, priorizando alimentos in natura. O segundo decreto dispõe sobre a Estratégia Nacional de Alimentação nas Cidades, visando suprir os desertos alimentares existentes principalmente nas regiões periféricas. O terceiro decreto institui a Política Nacional de Abastecimento Alimentar (PNAAB) e a elaboração do Plano Nacional de Abastecimento Alimentar.


O manifesto aprovado ao final da 6ª CNSAN demonstra toda a importância deste momento, que aparece já na primeira frase do documento: “A comida de verdade é a essência da vida. Ela é produzida em harmonia com a natureza, defendendo e valorizando nossas culturas alimentares que são expressão dos territórios urbanos, rurais, de povos indígenas, comunidades quilombolas, povos tradicionais de matriz africana/povos de terreiro, povos ciganos, povos das florestas e das águas, comunidades tradicionais, agricultoras(es) familiares e camponesa(es) e trabalhadoras(es) urbanos e rurais”.


Para quem participou presencialmente da 6ª CNSAN, foi possível sentir na pele o arrepio trazido por cada fala nas mesas de diálogos; cada troca de saberes, de sementes, de experiências produtivas e de lutas pelo direito à alimentação nos territórios; cada ritmo e cada música nas atividades culturais; cada prato culinário compartilhado na feira ou nas refeições coletivas. O sentimento geral foi de entusiasmo e alegria pela volta de um espaço e uma articulação que foram forjados e conquistados por quem mais sente, cotidianamente, as mazelas trazidas pela fome. Agora, a tarefa será a de acompanhar a consolidação de tudo que foi aprovado na conferência, de forma a garantir a execução de políticas e programas em sintonia com as demandas e a diversidade desta construção.


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